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Reportagem Especial: Precisamos falar sobre suicídio em Coromandel

Por Danilo Gonçalo

Coromandel teve um aumento preocupante no número de ocorrências de tentativas e de suicídio consumado em 2016, apontam dados do sistema de saúde aos quais o Jornal de Coromandel teve acesso. As informações mostram que houve 25 ocorrências dentro do ano, um salto gigantesco em relação aos 12 meses anteriores.

Desde 2013, quando o registro dessas informações passou a ser responsabilidade do município, 61 ocorrências chegaram ao conhecimento das autoridades de saúde de Coromandel. No primeiro ano em que os dados foram coletados, 11 tentativas de suicídio entraram no sistema. Em 2014, o número subiu para 16 ocorrências de suicídio. E no ano seguinte, caiu para nove.

Tratando os casos de tentativa e ato consumado de forma fria e como números, apenas, nota-se que houve um salto de 280% nos casos de um ano para outro (de 2015 para 2016), em Coromandel.

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Em pelo menos quatro desses casos registrados em 2016 houve morte da pessoa envolvida, apurou a reportagem. Os dados são pouco claros quanto ao resultado final. Porém, pessoas com acesso a esses detalhes relataram que as mortes não ultrapassaram cinco no período. Em todo caso, a quantidade de tentativas e, possivelmente também a de mortes, foi superior ao registrado nos três anos anteriores.

Os dados mostram que homens foram os que mais recorreram ao suicídio, representando 16 ocorrências, enquanto as mulheres utilizaram o expediente em nove ocasiões.

Pelos dados fornecidos, nota-se que ocorreram mais casos entre pessoas adultas, com idade entre 30 e 49 anos. Foram 28 relatos contendo vítimas nessa faixa etária, de 2013 a 2016, sendo que oito foram relatadas no último ano.

A situação requer atenção especial porque, como revela estudo da Organização Mundial de Saúde, muitos casos não são relatados às autoridades. A OMS estima que, para cada suicídio, pelo menos outras 20 pessoas tentaram pôr fim à vida.

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MÉTODOS PROVOCAM DOR E MAIS SOFRIMENTO

O caso que despertou a atenção para o número de tentativas e suicídios em Coromandel foi um protagonizado por um jovem que ateou fogo ao próprio corpo, porém esta não foi a única ocorrência em que se utilizou este horripilante método de automutilação. Os dados coletados mostram que duas pessoas buscaram a morte utilizando essa tática no ano passado.

O método mais comum de tentativa de suicídio foi o de ingestão de medicamentos ou venenos, incluindo na lista o famigerado chumbinho, agrotóxico utilizado para matar ratos, mas que tem venda proibida em todo o Brasil. Houve ainda ocorrências envolvendo automutilação, disparo de arma de fogo e enforcamento entre os casos.

O psiquiatra José Chaves, que tem mais de 40 anos de experiência, diz que a escolha do método pode ter a ver com o resultado que se busca ao tentar o suicídio. “O sofrimento [causado por alguns métodos] pode estar ligado à expiação [no caso daqueles que mais infligem dor] ou a uma forma de escape das aflições”, explica.

Estudos mostram que as tentativas de suicídio tendem a acarretar ainda mais problemas para a vítima sobrevivente. Os danos podem ser de ordem física e psicológica, além de afetar diretamente a família e os amigos.

MOTIVOS

Não há dados que especifiquem os motivos de cada caso, tampouco os porquês da ocorrência em cada faixa etária, nas ocorrências registradas em Coromandel. No geral, o ato indica problemas de origens psicológicas e/ou sociais, segundo especialistas.

Doutor José Chaves diz “sempre se entendeu que o suicídio era decorrente de um quadro intenso de depressão, no qual o indivíduo não vê mais sentido na vida e busca a morte como uma saída para a tristeza”. Contudo, “hoje existem algumas variantes: pode ser por angústia, ansiedade ou desespero”.

Os motivos para se levar a esse extremo têm, geralmente, componentes como a “honra ou a vergonha”, segundo o especialista. Ele cita como exemplo alguns idosos aposentados ou pessoas que perderam o emprego, que ficam sem saber qual papel exercer na sociedade. “Eles não se prepararam para a aposentadoria e caem no vazio existencial, que era preenchido pelo trabalho”, diz o psiquiatra. “E a pessoa idosa era uma figura de respeito, de valor e sabedoria; escutado pela família, mas perdeu essa conotação com o tempo e, em alguns casos, ele se sente que se tornou uma pessoa sem importância, um estorvo”, acrescenta.

Em outros casos, os indivíduos que tentam suicídio são considerados ‘muito responsáveis’, lidam com problemas familiares ou grandes responsabilidades no trabalho e não aparentam sentir o peso das responsabilidades. “Elas não se estão preparadas para serem ‘fracas’, não estão preparadas para não ter controle da situação. E, para elas, não ter o controle significa um fracasso”, diz Chaves. Encaradas como pessoas ‘fortes’, elas têm dificuldade de pedir ajuda antes de chegar ao terrível ato de atentar contra a própria vida.

O problema se estende àquelas que, por outro lado, são consideradas mais frágeis. “As pessoas, às vezes, não levam à sério [os sinais da doença] e essa vítima vai se afundando”, explica o doutor Chaves.

O tempo em que vivemos também oferece terríveis condições que contribuem para o aumento de casos, tese que é corroborada por um dos grandes nomes da sociologia, Émile Durkheim.

O sociólogo, em seu estudo sobre o caso, classifica como suicídio anômico aquele provocado pelas mudanças socioeconômicas que causam reflexos na vida das pessoas, como a crise econômica e as tragédias que vemos todos os dias pela internet e televisão.

O psiquiatra José Chaves diz que “vivemos em condições desumanizantes, no limite do estresse, independente de sermos pobres ou ricos. Essa situação tira a vontade de produzir, de realizar. E acontece em qualquer lugar no mundo”.

Chaves acrescenta que “quem é humanizado sofre pelo que acontece com o outro e com si próprio, mas que não conseguir resolver todos os problemas é algo natural à vida”.

SOLUÇÕES

É importante destacar que o suicídio é considerado um problema de saúde pública e que possui formas de prevenção. “A maioria dos suicídios foi precedida de sinais verbais ou comportamentais. Claro que existem casos em que não houve aviso prévio, porém é importante entender os sinais de alerta e buscar as soluções”, aponta a OMS no documento Preventing Suicide – A Global Imperative (Prevenção de Suicídio – Um imperativo global), publicado em 2014 e que aponta diretrizes para o combate ao problema em todo o mundo.

Família e amigos representam parte importante da solução do problema. Identificar os sinais de angústia, ansiedade, depressão e desespero é o primeiro passo. “As pessoas mais próximas podem notar quando esse indivíduo tiver necessidade de um ombro amigo”. Em seguida, o auxílio de um profissional, como um psicólogo ou psiquiatra, é essencial.

Chaves diz que muitas pessoas se afundam no problema por preconceito, medo ou vergonha de procurar um profissional “com a ideia de que quem procura ajuda é ‘louco’”, replicando uma imagem mal representada dos psicólogos e psiquiatras.

“O tratamento é muitas vezes simples. Hoje temos muitos antidepressivos excelentes, que ajudam a pessoa a sair rápido desse quadro depressivo”, complementa o médico.

Além de procurar ajuda especializada, recomenda-se uma ‘válvula de escape’, algo para evitar o represamento das coisas ruins, como praticar esportes ou frequentar grupos de apoio.

Uma importante ferramenta na luta contra o suicídio é o Centro de Valorização da Vida. A organização presta apoio emocional e preventivo de forma voluntária e gratuita às pessoas que estão com necessidade de desabafar, sem promover qualquer tipo de julgamento referente aos relatos ouvidos.

O atendimento é feito por telefone (141), presencial (nos postos do CVV) ou pela internet (acesse aqui), através de chat, ligação por vídeo (Skype) ou e-mail.

O Facebook também tem atentado para a questão e criou ferramentas para identificar potenciais suicidas. No final do ano passado, a empresa de rede social conseguiu alertar as autoridades de Santa Catarina e evitar uma morte. O Facebook também recebe denúncias (saiba como alertar) de usuários para conteúdos suspeitos e encaminha para autoridades competentes.

Em Coromandel, a Secretaria Municipal de Saúde disponibiliza atendimento psicológico e conta, em sua estrutura, com Ambulatório de Saúde Mental com Assistente Social, Psicólogo, Psiquiatra, Enfermeiro e Oficinas Terapêuticas.

Outra forma de evitar o suicídio é limitar o acesso aos meios para a prática. Cabe ressaltar que boa parte desses meios utilizados para encerrar uma vida têm venda ou posse restritas ou proibidas, como é o caso do chumbinho e de armas de fogo. Medicamentos para tratamento de saúde mental também são controlados. Porém, algumas das vítimas tiveram acesso a essas substâncias em Coromandel. Nossa reportagem encontrou em alguns estabelecimentos comerciais de Coromandel o veneno utilizado para eliminar pragas, como ratos, e que pode causar a morte de seres humanos.

A Secretaria Municipal de Saúde de Coromandel diz que a Vigilância Sanitária realiza inspeções no comércio para coibir a venda de chumbinho e outros produtos proibidos e informa que “as punições para quem comercializa esse tipo de veneno são advertência e apreensão e inutilização e, em caso de reincidência, abre-se processo administrativo e multa”.

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