Um mal chamado javali
javali é um velho conhecido dos agricultores brasileiros. Tem ampla distribuição geográfica em todo o mundo e, acredita-se, que chegou ao Brasil no século XX pelo Rio Grande do Sul. Nos anos 90 havia criação de javalis e híbridos em grande escala. Muitas criações fugiram ou foram soltas intencionalmente em resposta a uma decisão do IBAMA contra a importação e criação de javalis em 1998.
A espécie ficou asselvajada e por não possuir predadores naturais e ainda procriar com o porco doméstico, resultando no javaporco, gerou grandes populações de forma descontrolada, causando danos ambientais, à agricultura, pecuária além de ser hospedeiro e vetor de zoonoses e de doenças. Atualmente o javali é a única espécie nativa que tem a caça e abate permitidos pelo IBAMA. São mais de 1500 municípios afetados em todas as regiões do país.
O problema tem dimensões preocupantes. Na Europa, por exemplo, os javalis crescem a uma taxa de 5% a 15% por ano, o que significa uma população duas vezes maior do que é hoje em apenas 5 a 15 anos. No Brasil são cerca de 30 mil caçadores regulamentados.
Alguns estados mantêm programas específicos de erradicação. No Rio Grande do Sul, desde o ano passado, 25 instituições monitoram os impactos do animal no primeiro Plano Estadual de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali do país. Em São Paulo o governador João Dória anunciou, em abril, medidas para facilitar a caça. O produtor rural deve apenas se cadastrar no site do IBAMA para obter a autorização para abate. O javali está presente em ao menos 500 dos 645 municípios paulistas. Na região de Chapecó, em Santa Catarina, foi lançado nesta semana um projeto piloto. A Polícia Militar Ambiental fará a ponte entre o produtor e os controladores autorizados, para que possam ir até a propriedade e abater o javali. Os produtores também estão autorizados a utilizarem armadilhas, que têm um padrão específico e seguem protocolo de utilização.
O Portal Agrolink conversou com o professor e diretor da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAMV) da Universidade de Passo Fundo (UPF/RS), Eraldo Zanella, para entender sobre o impactos causados pelo animal e os riscos à saúde humana.
Portal Agrolink: quais as culturas hoje são mais visadas pelo javali?
Eraldo: os javalis (Sus scrofa) são considerados como generalistas de alimentos (onívoros) e oportunistas, cuja grande flexibilidade na seleção de alimentos permite que eles se estabeleçam em vários ambientes em uma ampla área geográfica habitada por eles. Alimentação pode ser de pequenos animais (incluindo filhotes) e ovos, por exemplo, existem relatos de predação de filhotes de capivara, incluindo terneiros, cordeiros recém nascidos. Além disso, ovos de aves que fazem ninho no chão, bem como de jacarés. No Pampa brasileiro e uruguaio, javalis constituem um problema para ovinocultura com predação de filhotes e destruição de pastagem.
Os javalis são percebidos também como pragas agrícolas, uma vez que devido a seus hábitos alimentares e a um método de busca de alimentos, mais colheitas são destruídas do que consumidas. Os prejuízos causados pelos javalis, depende da região em que estão, sendo que muitos relataram o impacto sobre a produção agrícola (brócolis, beterraba, milho, batatas, etc.), sendo os danos mais expressivos em lavouras de milho, o que pode ser justificado pela preferência alimentar do javali, que é de predominantemente de origem vegetal.
De acordo com autores“ Os cereais (aveia e milho) são os componentes vegetais mais consumidos pelo javali.” Seguidos, de tubérculos, aproximadamente (18%), vertebrados (2%) e invertebrados (1%), podendo ser explicada como uma necessidade nutritiva, tendo a função de uma complementação protéica.
Na serra gaúcha, o aumento de javalis têm causado um desequilíbrio também na questão do quesito de sementes de araucária (pinhão). Podendo afetar outras espécies que dependem do pinhão como fonte de alimento durante o período de inverno. Entretanto existem relatos de ataques de javalis em adubos e fertilizantes no dia da aplicação, o que pode prejudicar diversas outras culturas.
Portal Agrolink: por que o animal se expande tão rápido a ponto de causar tantos prejuízos?
Eraldo: inicialmente foi introduzido em cativeiro e após escape e ou soltura o mesmo encontrou uma grande fonte de alimento disponível. Cruzamentos com suínos de raças comerciais, aumentaram a prolificidade. Falta de predadores naturais para a espécie.
Controle de armas nas propriedades rurais. Falta de conscientização para o abate somente de javalis.
Portal Agrolink: muitos estudiosos estão comparando o javali à pragas como a Helicoverpa. Podemos dizer que se trata de uma das piores pragas dos últimos anos para a agricultura brasileira?
Eraldo: a Helicoverpa também é um exemplar exótico no Brasil. Inicialmente infestou lavouras de em 2013 (abril) sendo um problema para as culturas de soja e algodão. Na região de Passo Fundo, na UPF, identificamos em novembro de 2013 a lagarta.
Considerado uma das cem piores espécies exóticas invasoras do mundo, o javali é uma espécie exótica invasora trazida da Europa no início do século 20. Hoje se prolifera e se expande rapidamente em diversas regiões. Os javalis causam danos à fauna e à flora, desencadeiam o assoreamento de corpos d’água e processos de erosão do solo, além de representarem um grave risco sanitário para a atividade pecuária.
Algumas similaridades entre o Javali e a Helicoverpa são uma realidade. A Helicoverpa é cosmopolita e usa mais de 200 espécies de vegetais para se alimentar. É uma lagarta Polifaga, se alimentando para sobreviver de diversas plantas (leguminosas, gramíneas, etc). Podemos destacar a soja, algodão, citrus, feijão no verão. Também consegue sobreviver no inverno (frio) em outras culturas como canola, trigo, cevada e inclusive plantas daninhas. Uma diferença é que a Helicoverpa tem inimigos naturais (parasitismo) que acabaram causando um maior índice de mortalidade nas lagartas. O que na realidade não ocorre com o Javali. Os parasitas não causam esta mortalidade nos animais.
Portal Agrolink: existe alguma forma de conter a não ser com o abate nas propriedades?
Eraldo: na realidade não. A única forma de conter a proliferação é através da eliminação dos animais. Podendo para isso serem utilizadas armas de fogo, e ou também a captura através de métodos de gaiolas para posterior eliminação dos mesmos.
Portal Agrolink: o que faz o produtor, para onde corre?
Eraldo: existe um programa eletrônico do IBAMA para que o produtor se cadastre e informe o que está ocorrendo em relação a presença de Javalis e a forma de controle dos mesmos. Não existe uma forma de controle se não se tem a real situação do número de animais presentes, e ou a declaração do problema.
Portal Agrolink: e em relação a doenças?
Eraldo: os javalis, javaporco, etc. de vida livre são suscetíveis e podem ser reservatórios de uma grande variedade de patógenos comuns à espécie, a outras espécies animais e aos seres humanos. Muitas desses agentes e doenças são controladas nas granjas de reprodutores suídeos certificados (GRSC).
Doenças como Tuberculose (Mycobacterium bovis), Lepstospirose (Leptospira spp.), Brucelose (Brucella suis), Erisipela (Erysipelothrix rhusiopathiae), Streptococcus suis, Toxoplasmose (Toxoplasma gondii), Hepatite E, Virus da Influenza suína. Esses são alguns dos agentes e doenças que podem estar presentes nos suídeos de vida livre e que podem ser transmitidos para os suínos de granjas tecnificadas, por isso a questão de biossegurança deve ser redobrada em áreas com presença de javalis.
A vigilância constante desta espécie se dá porque o RS tem área livre de Peste Suína Clássica (PSC) reconhecida pela OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) desde 2015. E os javalis podem trazer riscos para os suídeos (porcos) domésticos porque podem ser reservatórios de vírus e fonte de infecções.
Podemos adicionar que o país é livre com vacinação de Febre Aftosa, com exceção de Santa Catarina que é livre sem vacinação. Essas doenças podem afetar a exportação, pois são doenças que afetam a produção. Não são zoonoses.
Foram encontrados parasitas em tecidos de javalis necropsiados (cestódeo Sparganum sp.) no músculo lombar, que se ingerido por outros outros mamíferos, incluindo o homem, é potencialmente patogênico. Outros parasitas também foram encontrados nas vísceras e carne e que se oferecidos para cães pode perpetuar o parasita (Cistos de Cysticercus tenuicollis), Esparganose (Spirometra spp.), Tiquinella.