Formação de Guerreiros: lutadores de Coromandel superam dramas por meio das artes marciais
Danilo Gonçalo, de Coromandel
Os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016 trouxeram exemplos de atletas que superaram dramas pessoais e até problemas físicos para brilhar no esporte. Essas histórias, contudo, não se limitam aos personagens que ganham espaço na TV. O espírito esportivo também tem ajudado muitos atletas de Coromandel a lidar com dificuldades do convívio social.
Maysa Kelly Oliveira é um exemplo de que a prática de atividades esportivas pode contribuir para uma mudança de vida. A atleta coromandelense é uma das mais ativas da turma de jiu-jitsu da academia Centro de Formação de Guerreiros, de José Carlos de Melo Matias, o mestre Serpente.
Maysa sofreu durante um tempo com o abuso de drogas como álcool e outras ilícitas até encontrar um refúgio nas artes marciais. Após um período de internação em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos, passou a treinar jiu-jitsu. O esporte a ajudou a superar ainda a perda do marido, há dois anos.
“Hoje eu sirvo de exemplo. O esporte me dá força para continuar. Mais do que tudo, o jiu-jitsu mudou minha vida, me deixa longe das coisas ruins, do álcool, das drogas e da vida desregrada. Amo de paixão. Comecei por necessidade e continuo por amor à arte”, diz a lutadora.
O que surpreende na história de Maysa, contudo, não é seu apreço pela arte marcial ou o fato muito relevante de ter superado o envolvimento com drogas. Soma-se a tudo isso a idade dela, 41 anos, e sua atividade profissional: roceira. Morando e trabalhando na zona rural, ela encara a rotina laboral e de dona de casa durante o dia, antes de se dirigir ao centro de Coromandel para treinar.
A atleta explica que o esporte que pratica contribui para ‘manter o gás’ e recomenda, inclusive, para outras mulheres que querem a modalidade para manter corpo e mente saudáveis: “o jiu-jitsu me acalma, me traz paz interior, trabalha respiração, dá serenidade e, pelo lado estético, é bom para definir abdome, perna, bumbum, fica ‘bem durinha’”.
Disciplina
Bruno Eurípedes Ramos começou nas artes marciais ainda novo, aos 13 anos, como uma forma para superar o perfil “brigão” e aprender sobre disciplina. Com o passar da idade, Bruno cedeu aos amigos “errados” e teve um envolvimento com pessoas que mexiam com drogas. “Procurei o esporte para sair desse mundo”, conta o lutador.
Hoje aos 22 anos, Bruno revela que durante o período de instabilidade pode contar com o mestre para colocá-lo de volta no caminho correto. “Ele já foi me buscar em lugares errados para me trazer para a academia”, lembra o atleta, que encontra na campeã olímpica Rafaela Silva (medalha de ouro no Rio 2016) um exemplo para a vida.
A experiência com o esporte o faz querer replicar as ações de seu mestre. “Meu sonho é abrir uma academia como ele (Serpente), fazer esse trabalho que ele faz. Não é todo mestre que vai buscar o aluno na rua e dá conselhos”, justifica.
Rumo ao UFC
“Gordinho” na infância, Lucas Eurico da Silva é um dos grandes destaques da equipe do mestre Serpente. Com a alcunha Lucas Cobra, o atleta superou o sedentarismo e segue em busca de um objetivo: ser um atleta do Ultimate Fighting Championship (UFC), franquia de Artes Marciais Mistas (MMA) mais famosa do planeta.
Aos 22 anos, o lutador acumula 13 vitórias nos 18 confrontos que teve. Agora, se aproxima de seu desafio maior. Encarar um rival que está cotado para entrar no UFC: “quem sabe não pego a vaga dele”, afirma confiante o jovem Cobra.
O lutador coromandelense se espelha em José Aldo, um dos maiores atletas da história do UFC e que, assim como Cobra, passou por experiências difíceis na infância. “Estou seguindo o caminho certo, treinando muito e focado, com disciplina e respeito nos treinos. Estou me preparando para quem saber ter uma oportunidade de lutar lá”, conclui.
Formador de Guerreiros
O coromandelense José Carlos de Melo Matias conheceu as lutas esportivas há 30 anos. Começou com a capoeira, passou por jiu-jitsu, muay thai e artes marciais mistas, nas quais se profissionalizou e especializou até se tornar o Mestre Serpente.
Assim como os alunos, Serpente buscou o esporte para fugir da vida de crimes e drogas. “Quando comecei no esporte foi porque eu era envolvido com pessoas que mexiam com coisas erradas. Procurei o esporte para sair desse mundo errado”, diz.
As experiências ruins não foram capazes de tirar a determinação de “guerreiro”. “Isso contribuiu para estar aqui. Resgatei muitos jovens que estavam afundados nas drogas”, afirma o mestre em artes marciais.
Atualmente, José Carlos mantém uma academia onde ensina suas técnicas esportivas e realiza um trabalho social, onde atende dezenas de crianças e jovens carentes. Com a equipe Snake Tiger, leva o nome de Coromandel por diversas cidades, onde disputa cinturões, troféus e medalhas, que já lotam as poucas estantes que compõem o cenário da academia.
Para manter o projeto social e continuar a resgatar as pessoas que precisam de ajuda para se livrar da criminalidade e das drogas, mestre Serpente busca patrocínios. Enquanto não tem ajuda, ele tira do próprio bolso os recursos necessários para que as crianças carentes possam ter seus próprios quimonos, por exemplo.